i n t e r l ú d i o s i n t e r e s t e l a r e s

No quarto com mais de mil quilômetros

Billy Collins

Gosto de escrever sobre onde estou

onde rola de eu me sentar

sob a umidade ou as nuvens

a cena do lado de fora da janela —

uma árvore florindo rosa

o vizinho passeando com seu cão nervosinho

e se nessa hora estiver bebericando

uma xícara de chá

ou dose de uísque

acharei um verso para dar início.

 

Por trás de mim, minha mulher só observa esses poemas

com um suspiro.

Ela pensa que eu tinha mais era de focar

minha objetiva para permitir que entrem

os rododendros selvagens da Irlanda

os estádios banhados de sol de Roma

aquele relógio-d’água de Bruxelas —

o mundo ao redor de meu tinteiro.

 

Eu lhe digo que vou tentar de novo

e viajo de volta até a escrivaninha

onde a cadeira está voltada para a janela.

Daí penso a respeito do mobiliário da História

pondero sobre o globo e as luzes das cidades

visualizo um leão rampante num escudo de ferro

um campo de batalha em silêncio, um monumento de granito.

E então — bem entre mim e você —

dou um gole de chá gelado

e à maneira dos antigos chineses

ergo minha caneta

e descrevo esse pássaro que ouço aí fora

esse um que canta

dá uma pausa

e canta de novo.

 

[ poema de Billy Collins, do livro Picnic, lightning – um dos títulos mais legais que já vi, diga-se; veja nele a toalha xadrez voando na tempestade, pernas debandando morro abaixo e a cesta com a torta de maçã pela metade esquecida às formigas -; o livro foi publicado pela University of Pittsburgh Press, 1998; trad. JRT ]

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